segunda-feira, 26 de novembro de 2007

DISCURSO RETÓRICO-ARGUMENTATIVO – EM DEFESA DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Extracto de uma carta enviada por Marthin Luther King aos membros do clero da sua Igreja, quando se encontrava preso por ter liderado acções de desobediência civil, em defesa dos direitos humanos e civis contra leis e práticas racistas.

«Queridos irmãos,

Enquanto confinado na cadeia da cidade de Birmingham, deparei-me com as vossas recentes declarações definindo as nossas presentes actividades como “insensatas e desatempadas”. (...)
Penso que devo explicar-vos a razão da minha presença em Birmingham, dado terem sido influenciados pelo argumento de que somos “estranhos que para aqui vieram” desestabilizar.
Tenho a honra de servir como presidente da Conferência dos Líderes Cristãos do Sul, uma organização que opera em todos os estados sulistas. (...) Há vários meses atrás, a delegação local de Birmingham convidou-nos para estarmos preparados para sermos envolvidos num programa de acção directa não violenta, se tal fosse considerado necessário. Demos o nosso total assentimento e, quando a hora chegou, cumprimos com a nossa promessa. Portanto, aqui estou, juntamente com vários outros membros da minha equipa, porque fomos convidados para aqui estar. Porque temos obrigações institucionais aqui.
Para além disso, se estou em Birmingham, é porque a injustiça também cá está. Assim, e tal como os profetas do séc. VIII deixaram as suas pequenas cidades e levaram a palavra do Senhor muito além das suas fronteiras, e tal como o apóstolo Paulo deixou a sua pequena cidade de Tarsus e levou o evangelho de Jesus Cristo a praticamente toda a vila e cidade do mundo greco-romano, também eu me sinto compelido a levar o evangelho da Liberdade para além das fronteiras da minha cidade natal. (...)
Mais do que tudo, estou consciente das inter-relações que existem entre as comunidades e estados. Não posso manter-me em Atlanta indiferente ao que se passa em Birmingham. A injustiça – em qualquer lado – é uma ameaça à justiça – em todo o lado. (...) O que quer que afecte um de nós directamente, afecta-nos a todos indirectamente. Não mais nos podemos dar ao luxo de viver com a ideia estreita e provinciana do “agitador estrangeiro”. Um cidadão dos Estados Unidos não pode ser considerado um estrangeiro seja em que parte for deste país.
(...)
Em qualquer campanha não violenta existem quatro passos básicos: (1) Recolha dos factos para determinar se estamos na presença de injustiça. (2) Negociação. (3) Auto-purificação e (4) Acção Directa. Demos todos esses passos em Birmingham. N~so existe margem para dúvidas em afirmar que a injustiça social perpassa toda esta comunidade. Provavelmente, Birmingham é a cidade mais segregada dos Estados Unidos. O seu horrível recorde de brutalidade policial é conhecido em todo o país. O seu tratamento injusto dos negros nos tribunais é uma realidade notória. O número de casos não resolvidos de ataques violentos sobre lares e igrejas de negros em Birmingham é o maior de toda a Nação. Estes são factos brutais e inacreditáveis. Com base nestas condições, os líderes negros tentaram negociar com os responsáveis da cidade. Mas as autoridades políticas, de forma consistente, recusaram envolver-se em qualquer negociação de boa-fé. (...) Ficámos sem outra alternativa excepto a de nos prepararmos para a acção directa, através da qual usaríamos os nossos próprios corpos como o meio de apresentarmos o nosso caso perante a consciência da comunidade local e nacional. Não estávamos inconscientes das dificuldades que nos aguardavam. Portanto, decidimos avançar com um processo de auto-purificação. Começamos a realizar “workshops” sobre a não-violência e a perguntarmo-nos repetidamente as seguintes questões: “Estamos prontos para aceitar os golpes sem retaliar?”, “Estamos prontos para aguentar as agruras da prisão?”. (...) Então, ocorreu-nos que se aproximavam as eleições em Março e decidimos adiar a nossa acção para depois das eleições. (...)
Isto revela que não avançamos irresponsavelmente para acção directa. (...) Podem perguntar: “Porquê a acção directa?” “Porquê os sit-ins, as marchas, etc.?” “Não será a negociação um melhor caminho?” Estão absolutamente certos sobre o argumento da negociação. Na verdade, é esse o objectivo da acção directa. A acção directa não violenta procura criar uma tal crise e uma tal tensão criativa que obrigue uma comunidade que constantemente recusa a negociação a ser forçada a confrontar a questão. Pretende dramatizar esta questão até um ponto em que não possa continuar a ser ignorada. (...)
Um dos pontos básicos da vossa argumentação é o de que as nossas acções são desatempadas. (...) Meus amigos, tenho que vos dizer que não alcançamos um único progresso nos direitos civis sem fortes pressões legais e não-violentas.
Sabemos, através de dolorosa experiência, que a liberdade nunca é voluntariamente concedida pelo opressor. Ela deve ser exigida pelos oprimidos. (...) Há anos que ouço a palavra “Esperem!” Ela soa nos ouvidos dos negros com familiar agudeza. Este “Esperem!” quase sempre quer dizer “Nunca”. Temos de nos aperceber (...)que a justiça muito tempo adiada, é justiça negada. (...) Se calhar é fácil para aqueles que nunca sentiram os dardos penetrantes da segregação dizer “Esperem”. Mas, quando vimos multidões viciosas a linchar as nossas mães e os nossos pais com total impunidade; (...) quando vimos polícias cheios de ódio a pontapear, brutalizar até matar os nossos irmãos e irmãs negros com total impunidade; quando vimos a vasta maioria dos nossos 20 milhões de irmãos negros sufocados numa jaula estanque de pobreza rodeada por uma sociedade de abundância e riqueza; (...) quando o nosso primeiro nome passa a ser “escurumba”, o nome do meio “rapaz” (independentemente da idade) e o último “John” (...), então compreenderão que se torna difícil esperar. Chega uma altura em que o “copo” da paciência transborda e não mais os homens suportam ser lançados no abismo da injustiça (...) Espero, senhores, que possam perceber a nossa legítima e inevitável impaciência.
Vós expressais, igualmente, uma grande ansiedade pelo facto de estarmos dispostos a quebrar as leis. Seguramente, essa preocupação é legítima. Se nós, de forma diligente, incitamos as pessoas a obedecer à decisão de 1954 do Supremo Tribunal, banindo, banindo a segregação das escolas públicas, é estranho e paradoxal que estejamos, conscientemente, a desobedecer a outras leis. Qualquer um pode colocar a questão de saber “como podem defender que se desafiem certas leis e ao mesmo tempo que se obedeça a outras?” A resposta encontra-se no facto de existirem dois tipos de leis: as leis que são justas e as que são injustas. Aqui tenho de concordar com São Agostinho, quando ele afirma que “uma lei injusta não pode ser considerada lei.”»

M. Luther King, “Why we can' t wait”

Actividade: analise o texto, tendo em consideração os seguintes parâmetros:

O tema e a tese defendida;
Referências que conferem credibilidade ao orador;
Argumentos apresentados;
Relação entre os argumentos e o “pathos” do auditório;
Antecipação das objecções à tese;
Refutação das objecções;
Conclusão.

Sem comentários: